Familiares de vítimas da tragédia da Boate Kiss que foram em um ônibus fretado para Porto Alegre (RS) para acompanhar dois julgamentos relacionados ao caso voltaram a Santa Maria por volta das 22h desta quarta-feira. No ponto de chegada, em frente à Catedral Metropolitana, no centro, dezenas de pessoas aguardavam o grupo.
O clima era de decepção e revolta. Assim que os
familiares desceram, todos foram para a praça Saldanha Marinho, onde
exibiram faixas, banners e cartazes e soltaram fogos de artifício.
Muitos gritavam palavras de ordem contra a decisão do Tribunal de
Justiça (TJ-RS) de conceder a liberdade aos quatro réus presos do
processo criminal da tragédia.
“Agora nós vamos nos reunir com nossos advogados e agir.
Foi sem fundamento o que aconteceu. Nós estávamos com o nosso povo
tranquilo, mas puxaram o nosso tapete. O luto voltou. Estou decepcionado
com nossos desembargadores”, disse o presidente da Associação de
Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia de Santa Maria
(AVTSM), Adherbal Ferreira.
Depois de protestar na praça Saldanha Marinho, cerca de
40 manifestantes trancaram a avenida Rio Branco e a rua Venâncio Aires,
mostrando faixas e cartazes. Depois, eles fizeram uma caminhada pela rua
do Acampamento.
Incêndio na Boate Kiss
Na madrugada do dia 27 de janeiro, um incêndio deixou 242 mortos em Santa Maria (RS). O fogo na Boate Kiss começou por volta das 2h30, quando um integrante da banda que fazia show na festa universitária lançou um artefato pirotécnico, que atingiu a espuma altamente inflamável do teto da boate.
Com apenas uma porta de entrada e saída disponível, os
jovens tiveram dificuldade para deixar o local. Muitos foram pisoteados.
A maioria dos mortos foi asfixiada pela fumaça tóxica, contendo
cianeto, liberada pela queima da espuma.
Os mortos foram velados no Centro Desportivo Municipal, e
a prefeitura da cidade decretou luto oficial de 30 dias. A presidente
Dilma Rousseff interrompeu uma viagem oficial que fazia ao Chile e foi
até a cidade, onde prestou solidariedade aos parentes dos mortos.
Os feridos graves foram divididos em hospitais de Santa
Maria e da região metropolitana de Porto Alegre, para onde foram levados
com apoio de helicópteros da FAB (Força Aérea Brasileira). O Ministério
da Saúde, com apoio dos governos estadual e municipais, criou uma
grande operação de atendimento às vítimas.
Quatro pessoas foram presas temporariamente - dois
sócios da boate, Elissandro Callegaro Spohr, conhecido como Kiko, e
Mauro Hoffmann, e dois integrantes da banda Gurizada Fandangueira,
Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos. Enquanto a
Polícia Civil investiga documentos e alvarás, a prefeitura e o Corpo de
Bombeiros divergem sobre a responsabilidade de fiscalização da casa
noturna.
A tragédia fez com que várias cidades do País
realizassem varreduras em boates contra falhas de segurança, e vários
estabelecimentos foram fechados. Mais de 20 municípios do Rio Grande do
Sul cancelaram a programação de Carnaval devido ao incêndio.
No dia 25 de fevereiro, foi criada a Associação dos Pais
e Familiares de Vítimas e Sobreviventes da Tragédia da Boate Kiss em
Santa Maria. A associação foi criada com o objetivo de oferecer amparo
psicológico a todas as famílias, lutar por ações de fiscalização e
mudança de leis, acompanhar o inquérito policial e não deixar a tragédia
cair no esquecimento.
Indiciamentos
Em 22 de março, a Polícia Civil indiciou criminalmente 16 pessoas e responsabilizou outras 12 pelas mortes na Boate Kiss. Entre os responsabilizados no âmbito administrativo, estava o prefeito de Santa Maria, Cezar Schirmer (PMDB). A investigação policial concluiu que o fogo teve início por volta das 3h do dia 27 de janeiro, no canto superior esquerdo do palco (na visão dos frequentadores), por meio de uma faísca de fogo de artifício (chuva de prata) lançada por um integrante da banda Gurizada Fandangueira.
O inquérito também constatou que o extintor de incêndio
não funcionou no momento do início do fogo, que a Boate Kiss apresentava
uma série das irregularidades quanto aos alvarás, que o local estava
superlotado e que a espuma utilizada para isolamento acústico era
inadequada e irregular. Além disso, segundo a polícia, as grades de
contenção (guarda-corpos) existentes na boate atrapalharam e obstruíram a
saída de vítimas, a boate tinha apenas uma porta de entrada e saída e
não havia rotas adequadas e sinalizadas para a saída em casos de
emergência - as portas apresentavam unidades de passagem em número
inferior ao necessário e não havia exaustão de ar adequada, pois as
janelas estavam obstruídas.
Já no dia 2 de abril, o Ministério Público denunciou à
Justiça oito pessoas - quatro por homicídios dolosos duplamente
qualificados e tentativas de homicídio, e outras quatro por fraude e
falso testemunho. A Promotoria apontou como responsáveis diretos pelas
mortes os dois sócios da casa noturna, Mauro Hoffmann e Elissandro
Spohr, o Kiko, e dois dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira,
Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão.
Por fraude processual, foram denunciados o major Gerson
da Rosa Pereira, chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos
Bombeiros, e o sargento Renan Severo Berleze, que atuava no 4º CRB. Por
falso testemunho, o MP denunciou o empresário Elton Cristiano Uroda,
ex-sócio da Kiss, e o contador Volmir Astor Panzer, da GP Pneus, empresa
da família de Elissando - este último não havia sido indiciado pela
Polícia Civil.
Os promotores também pediram que novas diligências
fossem realizadas para investigar mais profundamente o envolvimento de
outras quatro pessoas que haviam sido indiciadas. São elas: Miguel
Caetano Passini, secretário municipal de Mobilidade Urbana; Belloyannes
Orengo Júnior, chefe da Fiscalização da secretaria de Mobilidade Urbana;
Ângela Aurelia Callegaro, irmã de Kiko; e Marlene Teresinha Callegaro,
mãe dele - as duas fazem parte da sociedade da casa noturna.
Nenhum comentário:
Postar um comentário